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Crianças constroem-se a si mesmo

Muito se fala hoje de uma nova educação, de uma nova forma de estar e educar as nossas crianças. Borbulham nos nossos dias, tantas formas de educar e fazer diferente. Mas há princípios básicos que estão muito enraizados na nossa sociedade, princípios esses que enquanto continuarem no nosso campo de solução para dar resposta às necessidades da criança, ficará mais penoso para nós, mas sobretudo para ela mesmo.

Uma das ideias é que a criança absorve tudo, tal como uma esponja, e então somos nós que temos a obrigação de lhe encher essa esponja com os nossos ideiais e moldes de vida. A ideia estará parcialmente certa a execução é que está deturpada.

A criança absorve todo o seu entorno, ela absorve todos os comportamentos ao ínfimo detalhe, mais do que nós adultos conseguimos captar (é das coisas mais maravilhosas que me faz parar para observar), mas ela não precisa de nós diretamente para o fazer. Nós enquanto adultos, fazemos parte do conteúdo mas Não somos nós que enchemos a esponja, é ela própria que se encarrega de o fazer.

Mas ideia de que a criança se constrói dependente totalmente do adulto ainda se mantém na nossa sociedade.

O adulto que se esforça em demasiado para construir e modelar aquele ser incapaz e completamente desadequado à sociedade.

O adulto que abdica do seu tempo e da sua vida para lidar com uma criança pequena, ainda é um transtorno para muitos dentro da nossa sociedade.

Quando tivermos a capacidade de ver a magia que acontece naquele ser psíquico, no seu esforço diário em se construir a si mesmo, em honrar a sua presença, estaremos num bom caminho enquanto humanidade.

Maria Montessori, dizia: "A primeira obrigação do educador é reconhecer e respeitar a criança, a personalidade da criança, seja ela um recém nascido ou um ser em fase de desenvolvimento."

E este respeito começa no momento em que partilhamos a nossa vida com a criança, começa no dia em que lhe permitimos que faça parta dos nossos dias, dos nossos costumes, dos nossos trabalhos diários, no seu ritmo e que possa pertencer ao nosso mundo.

A criança vai sempre procurar suprir em primeiro lugar a sua necessidade de observação.

Ao compreendermos que o que ela faz, tem uma intenção, tem uma necessidade a ser satisfeita, iremos compreender que nada é ao acaso, nada é por capricho ou contra nós. Há sempre uma necessidade, aos nossos olhos pouco importantes aos olhos dela a importância da sua vida.

Mas quantas vezes de forma inconsciente apagamos esse esforço, destruímos essa necessidade; e a criança entra em luta, com o adulto e não porque está contra o adulto, mas porque está numa luta interna para consigo mesma. Ela precisa satisfazer-se a si mesma, mas quer por amor, satisfazer o adulto. E aqui começa a dispersão do que ela é e passa a ser em função dos outros. Aos poucos permitimos que a sua vontade morra.

É cruel, é direto, é impercetível à maioria de nós, mas é o adulto que tem esse papel importante, de trabalhar para que luz se extinga ou de permitir que a luz se esforce para continuar acesa.

Não apague os esboços que a criança imprime à cera de sua vida interior - Maria Montessori

O papel do adulto é o de não se tornar um obstáculo à vida da criança. E para tal é fundamental tomar consciência dos seus conceitos e verdades absolutas errôneas, para se libertar delas e assim poder deixar a criança construir-se a si mesmo.


Texto inspirado na obra de Maria Montessori, Montessori em familia.

9 formas de nos tornarmos guias da criança

Sermos guia das nossas crianças, sem seremos seus criados, nem os seus chefes.

Guiar é diferente de mandar, exigir, esperar obediência cega.

Guiar também é diferente de fazer tudo pela criança, não solicitar a sua colaboração e achar que ela não é capaz e então fazemos nós.

Numa primeira fase acredito que guiar, está mais relacionado com a forma como vemos a criança, quando realmente formos capazes de ver o ser, capaz, que ali existe na sua forma única de se expressar, entenderemos que estamos ao mesmo nível sem confundir papéis.

Nós os pais, eles os filhos, sem permitir-mos que o contrário aconteça, mas também sem deixar que a minha vontade prevaleça sempre e sem razão em cima da da criança.

Guiar a criança é saber que estamos ao seu lado na sua jornada, nem á sua frente nem atrás dela. Estamos ao seu lado.

Daremos a mão quando necessário, mas também permanecemos imóveis e  em silêncio quando tudo em nós (e nos outros) quer intervir.

Plantamos sementes, mas permitimos que cresçam e brotem as suas flores.

Alguns passos e reflexões podem ajudar-nos nesse caminho. é uma constante, é um trabalho diário e que pede consciência plena. Mas é possível.

1º Dar espaço

Dar espaço para que a criança se movimente, explore e seja ela do jeito que tem de ser. Dar espaço para que ela tome as suas iniciativas, demonstre a suas vontades e os seus interesses. Dar espaço.

A criança precisa se sentir livre dentro dos seus próprios limites, há todo o ambiente que lhe mostra os limites, não deverá ser o adulto a fazê-lo, será a função do adulto cuidar para que o perigo excessivo não esteja ao alcance, mas o adulto não controla a criança no seu ambiente ele controla o espaço em que é possível a criança ser livre.

Não só fisicamente, mas nas palavras, nas observações, dar espaço implica o silêncio muitas vezes.

2º Estar disponível

Criarmos com naturalidade uma forma de estar, onde estamos disponíveis mas a criança não depende, mas ela alcança-nos, sempre que necessário. E ela sabe que estamos ali. As tecnologias retiram-nos muitas vezes essa disponibilidade e eles sabem.

3º Ser respeitador, amável e claro na suas expectativas e limites

O guia também é uma pessoa, também tem os seus limites, a criança também. Sermos respeitadores pelo limite da criança e sermos amáveis para lhe transmitir os nossos limites de forma clara e consistente. Quantos mais forem os limites mais confusa ficará a relação, principalmente se estiver em  desiquilíbrio. Definir bem o limite e transmiti-lo à criança de forma amável e firme. Receber os seus limites e aceitá-lo de forma amável e respeitadora.

4º Assumir a sua responsabilidade

Para tudo há uma consequência na vida. Castigo não é opção (falarei deles noutro texto).

Eu não me  fecho num quarto escuro de cada vez que sei que me "portei mal". Eu assumo a consequência do meu ato. Com a criança será igual. Quanto mais direta a consequência mais fácil será ela ligar as duas coisas e da próxima vez se corrigir na forma como está a fazer. Estarmos preparados para guiar a criança é também permitir que ela assuma os erros, não através de nós ou perante a superioridade do adulto, mas de si para si. Ela com o erro dela.

Não dizer sempre como corrigir o erro também ajuda, para que a criança corrija sem medo da reação do adulto, mas porque entende que não está certo a forma como fez.

5º Cuidará do ambiente para que ela prospere segundo os seus interesses e vontades

O professor ensina o que aprendeu, o guia prepara o ambiente para que ela descubra as suas aprendizagens por si mesma.  Ele cuida do ambiente para que este satisfaça todas as necessidades da criança, seja necessidade de aprendizagem ou desenvolvimento, seja necessidade básica de auto-cuidado.

Não é que o guia não faz nada, ele passa a ter a missão de ser um agente mais disfarçado no meio da criança, que atua pelo meio que prepara em vez se ser o centro de atenção da criança. Ele faz muito, faz até mais, mas sem necessidade de reconhecimento.

6º Pára, Ouve e observa

Para que consigamos preparar o seu ambiente, para que possamos estar disponíveis para a criança de verdade, para que essa criança prospere, há que PARAR, OUVIR e OBSERVAR. É um movimento diário, é um momento de si para si mesmo, com o foco de desligar julgamento e achismos e focar no que realmente se vê, a criança.

Pára, sempre que o caos instalou-se mas também sempre que o silencio abunda, mas também e muito importante quando a criança chama por nós, parar e olhar nos olhos.

Ouve, sem julgamento, sem distrações.

Observa, o movimento, a vontade, as reações, as necessidades. Aponta, para que depois haja uma reflexão.

Pessoalmente gosto de refletir sobre as minhas ações ao final do dia, escrever o que senti e o que posso mudar enquanto adulto.

7ª Percebe a intenção antes de reagir

A tendencia é sempre REAGIR. o impulso que brota sem darmos conta. No seguimento do ponto anterior, pára e percebe a intenção. Há sempre uma intenção por detrás de cada ação. e nunca é contra nós ou sobre nós. É sempre por uma necessidade interna que tantas vezes desconhecemos a causa.

Muitas vezes dou conta, de ir reagir a uma determinada ação, quando consigo manter a presença, paro, observo e a maioria das vezes acabo por perceber que a minha reação não iria trazer nada de benéfico, pelo contrário.

8º Ajuda a procurar solução em vez de dar a resposta pronta

Sempre, tanto quanto possível. a criança é curiosa por sua natureza, ela descobre o mundo e o que a rodeia a todo o instante, saciar-lhes a curiosidade dando respostas prontas, além de não saciar a curiosidade ainda gera um dependência de resposta fácil e limitadora, como um lugar de respostas absolutas, cabe-nos levá-los a questionar e a procurar as suas próprias respostas. Este processo pode e deve começar bem cedo. Se permitirmos a criança pequena muitas vezes não pergunta: ela explora; deixar explorar, mexer a terra, parar para observar um insecto é meio caminho para estarmos a permitir que ela encontre as suas respostas.

9º Silenciar


E por último, silenciar. falamos demais, intervimos de mais, interrompemos demais. A criança não precisa. Quanto mais silencio fizermos mais a criança se permite silenciar e fazer o seu caminho por si mesma. Estar com a criança de forma consciente e presente, não significa que precisemos de falar constantemente ou de aprovar o que ela está a fazer, por vezes um simples sorriso que ela possa procurar em nós já diz tudo.

A minha crianças tem me ensidado a ser as suas guias, claramente que é uma travessia cheia de precalçoes e dias menos bons, mas estar consciente do que é importante do que lhes faz bem, a elas e a mim e qual o meu caminho enquanto guia, ajuda-me a por os pés no chão, silenciar e recomeçar.

" ...expressa claramente um desejo comum a todas as crianças de só serem ajudadas por adultos quando esta ajuda for realmente indispensável." Maria Montessori, em Montessori em Familia

Já não estávamos de quarentena?

Hoje escrevo-vos, numa altura difícil, para nós e para o mundo, mas não quero ser mais um local a falar do mesmo, acredito que já tenham a informação necessária (e até mais do que necessária) sobre o assunto.

Venho partilhar uma reflexão, para mim hoje é um dia normal, há cerca de quase 2 anos que escolhi ficar em casa com as minhas duas filhas, e dei por mim a pensar “caramba isto para tanta gente é tão difícil, e eu já o faço à quase 2 anos e quase não dava conta”. Eu e não só.

A nossa diferença é que eu tomei essa decisão deliberadamente e quem está agora foi apanhado de surpresa e foi para casa por obrigação.

Estar em casa com as crianças está a pôr muita gente fora de si e sabem que mais? eu também já estive assim, com uma recém-nascida, um pós-parto e uma criança de 3 anos, um luto para fazer do projecto que tinha, um outro projeto de outra empresa em andamento, uma casa para cuidar, umas quantas pressões sociais e a lidar com tudo isto sozinha, enfim, não foi assim tão diferente no turbilhão de emoções e acontecimentos.

Estar de quarentena, para mim já é normal, com a diferença de não sairmos à rua quando queremos.

Naquela altura ninguém falava do que era estar em casa com os miúdos 24 horas, para muitos inconcebível e até tabu ficar em casa “sem traballhar”.

E com tudo isto passou a falar-se que se trabalha sim, talvez muito mais ao estar em casa com as crianças, que pode ser sim uma fase muito complicada e dar origem a vários problemas no bem-estar emocional e mental de toda a familia, mas também, que há laços que se tornam mais fortes, que há momentos que ficam para a vida, que se estivermos abertos a isso a nossa conexão com as nossas crianças pode ficar mais saudável e eles podem viver dias e momentos tão mais felizes!

Uma hora pode ser muito longa mas um ano passa em segundos.

Aproveitemos para nos conectar à familia que escolhemos e gerar mais amor.

Até já,

Flávia