Sobre comportamentos…

Cada vez tenho mais certeza disto:

Não existe mau comportamento. Existe sim uma força maior para executar uma função, um meio ambiente desadequado à necessidade e, para ajudar, um adulto nada preparado.

Tremi muito neste momento, como em alguns que me acontecem, felizmente observei mais do que agi, controlei o que a maioria das vezes não controlava (impedir que a criança cumpra aquela função naquele momento).

Objectivo dela: colocar a mesa para jantar.

Resolução: foi à sua cozinha e a sua loiça lavada não estava lá.

Consequência: Foi procurar onde haveria essa loiça ao seu alcance para poder cumprir o seu objetivo. Logo colocou em cima da mesa 6 copos de pé alto e uma garrafa para o pai (não que o pai fosse beber aquilo, mas percebe-se a intenção!).

Não partiu nada, numa mesa um pouco mais alta do que a sua estrutura consegue alcançar, resultado de satisfação por objetivo cumprido!

Já eu tremi, gaguejei (para não falar) já que a vontade de interromper era muita. Mas a sua concentração e esforço era tão bom de se ver que limitei-me a observar.

E por fim, criança feliz!

Podia ter interrompido, podia ter gritado, podia ter-lhe tirado aquilo tudo da mão e até bater-lhe para não voltar a mexer. É o que a maioria faria. Eu, não fiz. Não faço. Porque acredito numa forma de educar diferente, porque sei que ela tem as mesmas necessidades que eu, cumprir o que o seu guia interior lhe manda, com a diferença de que eu já me desconectei mais desse guia do que ela, porque um dia também eu fui punida por ouvi-lo.

Permitamos, em segurança, que as nossas crianças se ouçam e cumpram o que o seu guia lhes pede para fazer. É um trabalho muito nobre. Mesmo que aos nossos olhos turvos, não seja o mais correto.

Vai dar mais trabalho, requer mais atenção, mas é mesmo assim.

Depois disto, redirecionei-a para o que seria esperado, ofereci-lhe a loiça certa e lá foi ela feliz!

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Confiar nas nossas crianças

Penso, que confiar em alguém, de uma forma geral para todos, é uma percepção que se vai criando ao longo da vida.

No entanto, acredito que seja essencial confiar nos nossos bebés logo assim que nascem.

Talvez para isso precisemos de confiar primeiro em nós e na nossa intuição como pais. A nossa intuição sabe bem o que está certo ou menos certo.

Mas ainda assim, a criança pequena mostra-nos diariamente como podemos confiar nela.

Ela sabe mamar. Não há bebés preguiçosos ou com manhas, há um bebé com o seu ritmo, tal como nós, e ao respeitarmos e ouvirmos os seus sinais ele vai mamar, quando tem de mamar e não quando o relógio manda. A nossa espécie existe há muitos mais anos do que as fórmulas criadas em laboratório e se aqui chegámos é porque sim, o bebé sabe mamar. Só precisa que confiemos nele, em nós e no processo.

Ela sabe quando tem fome. Eles sabem regular o seu apetite, mesmo quando começam a introduzir alguns alimentos sólidos. Se deixarmos a nossa criança ferida lá atrás, que foi obrigada a comer porque os pais queriam e não ela. Saberemos que a criança sabe o seu limite, porque para ela só existe o agora, ela vive permanentemente no agora, então se agora tem fome, vai pedir comida, se agora não tem, vai parar de comer. Cabe ao nosso papel de adulto oferecer o correto e não a guloseima para coagir a criança.

Ela sabe o que precisa de vestir. E mesmo que não saiba, porque lá fora está mais frio, é bom que perceba por ela própria que faz mais frio. E então como adultos estaremos preparados para lhe oferecer o agasalho necessário.

Basta confiar e observar sempre.

A criança sabe; e o que não sabe, deve ter a liberdade de poder aprender e experiênciar por si própria.

Não para nós adultos retorquirmos com um “avisei-te”, nem as deixarmos ao abandono porque se safa sozinho, não isso não é ser pai, isso é negligenciar ou achar-se superior e humilhar a criança. É apenas confiar que a criança tem a sua bússola e nós estamos lá para lhe mostrar o melhor caminho para norte.

As minhas filhas não fazem "birra"!

Nós, os adultos, somos imensamente controladores e auto-regulados das nossas emoções e por isso nunca fazemos birras, nunca gritamos, nunca perdemos o controlo. Mas elas sim, que acabadas de chegar ao mundo, seres estes inertes e sem personalidade, se choram é porque fazem birra.

Sim, as minhas filhas, choram, quando são contrariadas, batem o pé quando querem do seu jeito, deitam-se no chão a chorar e a fazer aqueles cenários que ninguém gosta de ver, resmungam que não querem ir ao banho e a mais velha ainda chora quando tem fome, já passou da hora de refeição e ela não conseguiu manifestar a tempo de controlar a imensidão de coisas que se passam lá dentro do seu corpo.

Mas as minhas filhas não fazem “birra”. E não fazem pelo simples facto de que eu não acredito que ela exista, a “birra” é uma simples palavra que descreve a forma como vemos uma contestação/manifestação da criança e a gestão mais descontrolada que ela faz das próprias emoções. E a verdade é que não tem uma conotação assim tão boa. Associamos a que a criança está a fazer aquilo propositadamente só para nos atingir.

Mas uma criança, principalmente mais pequenas, a sua única forma de falar com o mundo e manifestar o seu desagrado é a chorar. É instintivo, é animal, é a forma que elas tiveram para garantir a sua sobrevivência e a de toda a nossa espécie, lá atrás no tempo das cavernas. Onde haviam perigos “reais” e para que ela não perdesse a sua progenitora, ela tinha de chorar para garantir que estava segura. Nos dias de hoje, obviamente os perigos não têm a mesma dimensão, mas compreendendo que a criança só vive no momento presente, ela quando tem fome, tem fome, para ela é como se o mundo fosse acabar, porque não sabe o que está a sentir dentro de si, e então tem de demonstrar, mãe salva-me porque o mundo vai acabar!

Desta forma, talvez sobre crianças mais pequenas, mas conforme crescem, querem mostrar-nos o seu desagrado, a sua forma de pensar, querem mostrar que também são capazes de algo sozinhos e nós não permitimos que o façam ou simplesmente que estão cansados e não sabem lidar com todos aquelas sensações.

Nós ao estarmos a apontar à criança que ela está a fazer uma “birra”, ela pode interpretar aquilo de demasiadas formas, uma delas é que aquilo que ela sente não tem valor e não é aceite no mundo. Há todo um impacto na sua vida por isto. Mas ela só se está a expressar da forma que ainda consegue.

Cá em casa, não acredito em “birra”, acredito em manifestação de uma necessidade ou de uma emoção. Normalmente pode resolver-se com colo, um colo com presença, amor e aceitação pelo que a criança está a sentir.

E afinal, a “birra”, existe na vossa casa?

Ela a criança...

Ela a criança,

É uma criança, com o tanto que isso tem de extraordinário.

É um mundo pela frente, é um futuro sem igual, é uma esperança no mundo.

Deixa-na ser livre, mostrem-lhe o caminho, sem interromper, sem elogiar, sem criticar.

A flor cresce, desenvolve-se no seu esplendor máximo, sem os nossos elogios. A criança também!

Elas trazem as suas habilidades naturais, os seus talentos, a sua personalidade, só temos de a deixar ser.

Ela só quer ser livre, para exercer aquilo que de melhor trás ao mundo.

Quando nós adultos, lhes bloqueamos esse acesso, ela perde-se, ela não sabe mais o que fazer, porque as suas habilidades naturais não lhe são permitidas.

Mais natureza, por favor. Menos tempo, fechadas em blocos de cimento.

Mais pés descalços, por favor. Menos sapatos bonitos e intocáveis.

Mais roupa suja, por favor. Menos roupa apertada e desconfortável.

Mais brincadeira, por favor. Menos exigências de um mundo escolar, que nem nós tirámos proveito de 50% do que lá nos disseram.

Mais abraços e beijinhos, por favor. Menos tecnologias.

Mais crianças a serem crianças, por favor!

Nós os pais...

Se soubéssemos que é tão mais fácil estar com as nossas crianças do que o que complicamos.

Se soubéssemos que elas não trazem livro de instruções, porque realmente não precisam, basta olharmos para nós, ouvir-mos a nossa intuição e seguir a criança.

Se soubéssemos que as crianças já trazem tudo o que precisam, nós só precisamos de lhes dar o ambiente e os meios que ainda não alcançam.

Se soubéssemos que a arte de educar não precisa de grandes ciências.

Se soubéssemos que a beleza de estar com crianças é estar permanentemente em presença total, aqui e agora, tal como elas estão o tempo todo.

Se soubéssemos, que muitos dos dias maus, são apenas reflexo das nossas frustrações e principalmente do que a nossa criança quando era pequena sentiu e passou.

Talvez, se soubéssemos, vivíamos em paz com as nossas crianças e as crianças podiam viver num mundo em paz.

Ouvíamos mais a nossa intuição.

Esqueciamo-nos de que existiu um passado e que talvez chegue um futuro, mas que o que existe mesmo é o aqui e agora.

Talvez, fosse bem mais leve, bem mais feliz, o tempo que estamos com as nossas crianças.

Porque educar, não tem um passo a passo. Educar deve ser um só acto de amor, cuidarmos da nossa criança , que lá atrás teve as suas feridas, e assim conseguirmos dar aos nossos filhos um ambiente emocional e fisico cheio de amor.

Já não estávamos de quarentena?

Hoje escrevo-vos, numa altura difícil, para nós e para o mundo, mas não quero ser mais um local a falar do mesmo, acredito que já tenham a informação necessária (e até mais do que necessária) sobre o assunto.

Venho partilhar uma reflexão, para mim hoje é um dia normal, há cerca de quase 2 anos que escolhi ficar em casa com as minhas duas filhas, e dei por mim a pensar “caramba isto para tanta gente é tão difícil, e eu já o faço à quase 2 anos e quase não dava conta”. Eu e não só.

A nossa diferença é que eu tomei essa decisão deliberadamente e quem está agora foi apanhado de surpresa e foi para casa por obrigação.

Estar em casa com as crianças está a pôr muita gente fora de si e sabem que mais? eu também já estive assim, com uma recém-nascida, um pós-parto e uma criança de 3 anos, um luto para fazer do projecto que tinha, um outro projeto de outra empresa em andamento, uma casa para cuidar, umas quantas pressões sociais e a lidar com tudo isto sozinha, enfim, não foi assim tão diferente no turbilhão de emoções e acontecimentos.

Estar de quarentena, para mim já é normal, com a diferença de não sairmos à rua quando queremos.

Naquela altura ninguém falava do que era estar em casa com os miúdos 24 horas, para muitos inconcebível e até tabu ficar em casa “sem traballhar”.

E com tudo isto passou a falar-se que se trabalha sim, talvez muito mais ao estar em casa com as crianças, que pode ser sim uma fase muito complicada e dar origem a vários problemas no bem-estar emocional e mental de toda a familia, mas também, que há laços que se tornam mais fortes, que há momentos que ficam para a vida, que se estivermos abertos a isso a nossa conexão com as nossas crianças pode ficar mais saudável e eles podem viver dias e momentos tão mais felizes!

Uma hora pode ser muito longa mas um ano passa em segundos.

Aproveitemos para nos conectar à familia que escolhemos e gerar mais amor.

Até já,

Flávia